Saneamento básico: uma Manaus em esquecimento

Vulnerabilidade socioeconômica obriga cidadãos a viverem em áreas degradadas da capital

Eduarda Suily e Yasmin Siqueira, Manaus 31 de janeiro de 2023 às 15:30

A Lei 11.445/07 define o saneamento básico como "conjunto de serviços, infraestruturas e instalações de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais urbanas."

No Amazonas, no entanto, a definição de saneamento básico está longe de ser colocada em prática por completo. Uma vez que o próprio Programa Social e Ambiental de Manaus e Interior (Prosamin+) não é conhecido como um conjunto de iniciativas na área ambiental e, sim como um programa habitacional, como muitos pensam. Sem dúvida, as áreas localizadas ao redor de igarapés poluídos enfatizam a carência de saneamento básico dos lugares.

Igarapé do "Prosamin do Alvorada I" possui água turva e resíduos sólidos /Imagem: Victor Lemos

Robert Gama, de 21 anos, é um dos moradores da Rua Professora Lea Alencar, no bairro Alvorada I, local popularmente conhecido como Prosamin do Alvorada. Durante a entrevista, em uma das brechas do Igarapé, a presença de outro morador do local toma destaque: um rato. O cenário não causa espanto a Robert, que mora no local a sua vida toda, e já se acostumou com a presença de insetos e animais próximos da área poluída.

Igarapé do “Prosamin do Alvorada I” possui água turva e resíduos sólidos /Imagem: Victor Lemos
Igarapé do “Prosamin do Alvorada I” possui água turva e resíduos sólidos /Imagem: Victor Lemos

Animais são frequentemente vistos no Igarapé do bairro Alvorada I /Imagem: Victor Lemos

Apesar disso, ele ressalta que os moradores ainda aguardam pelo apoio da prefeitura na limpeza, que segue sem cumprir seu papel. 

"A gente paga imposto querendo um retorno, e na maioria das vezes a gente paga por pagar e eles não fazem nada. Não só aqui, tem lugares piores", declara.

Ainda no mesmo bairro, na Rua Tv. Paramirim, Beatriz Silva, de 21 anos, também sofre com a mesma situação desde que se mudou, há oito meses. Além de ratos e baratas, a caixa também já se deparou com jacarés na região tomada pela água e lixo. E, também reforça a falta de auxílio da prefeitura, que não mantém regularidade na limpeza.

"A prefeitura só aparece pra pedir voto", Beatriz destaca.

Placa colocada por moradores na Rua TV. Paramirim /Imagem: Victor Lemos

No entanto, a precariedade no saneamento básico da capital não é novidade. A dona de casa Cleonice Lemos, de 53 anos, residiu por seis anos no bairro Educandos, na década de 80.

Segundo ela, já era recorrente que os igarapés transbordassem com a água da chuva, pelo excesso de lixo. Contudo, a entrevistada afirma que a comunidade é a responsável pelo cenário de poluição, já que a população continua despejando resíduos nas áreas ambientais.

"É o próprio povo que prejudica a si mesmo", diz.

Vulnerabilidade social e o esgotamento

Analisando o atual cenário da capital amazonense em relação ao saneamento básico, o Engenheiro Civil da Secretaria Municipal de Infraestrutura (SEMINF), que atua como Chefe do Distrito de Obras da zona oeste da capital, Emerson Costa, aponta quais as maiores dificuldades da oferta de saneamento básico na cidade de Manaus.

"O maior problema, de longe, que eu percebo, são as ligações clandestinas. As pessoas pegam e quebram a estrutura da drenagem, a tubulação e inserem um tubo de esgoto, que é o tubo da fossa, que era para ser destinado na fossa", afirma Emerson.

Tubulação clandestina é a principal dificuldade na oferta de saneamento básico /Imagem: Victor Lemos

O engenheiro segue explicando, de forma técnica, fornecendo mais detalhes sobre o que ele considera ser o principal problema.

''Eles colocam de forma criminosa nas redes de águas pluviais, gerando aí um achatamento,muitas vezes dos tubos antigos, que eles não tinham armação de ferro, era só de concreto, e quando as pessoas perfuram pra instalar esse cano, danificam o tubo, isso faz com que feche a tubulação", descreve.

Entretanto, as ligações clandestinas citadas pelo engenheiro, tratam-se de uma forma de sobreviver que a população mais carente encontra para ter acesso ao mínimo de serviços sanitários que deveriam ser de total responsabilidade das autoridades que ocupam o poder, que ao longo dos anos, deixam passar despercebidas áreas mais vulneráveis da capital.

Objetos despejados em Igarapé da Rua Professora Lea Alencar /Imagem: Victor Lemos

Segundo dados da concessionária Águas de Manaus, no entanto, a cobertura de esgotamento da cidade cresceu 40% nos últimos quatro anos, e é a cidade brasileira que mais avançou em coleta total de esgoto no Brasil, com o dobro do número de ligações de esgoto no período, em um incremento de 115,62%. Atualmente, a empresa é responsável pelos serviços de Saneamento Básico é a Águas de Manaus, com contrato de concessão de serviços de água e esgoto na capital amazonense operante até o ano de 2045. Em entrevista, a empresa enfatiza o empenho para que a água consiga chegar às comunidades de baixa renda, e que o saneamento é levado tanto para áreas regularizadas quanto para as áreas periféricas.

"Mapeamos os locais onde não havia o serviço regular de abastecimento de água e, com a ajuda de lideranças comunitárias, levamos saneamento para todas as áreas regularizadas, como em comunidades distantes da área central e de difícil acesso.", reforça.

Além disso, dados atuais disponíveis no site do Instituto Trata Brasil, o Amazonas atinge o número preocupante de apenas 13,75% de coleta de esgoto. Em Manaus, especificamente, segundos dados apontados pelo atual prefeito, David Almeida, em novembro de 2022, a cidade avançou em relação aos números anteriores que apontavam apenas 16% de saneamento de esgoto, avançando para 26% de coleta.

Os números divulgados pela prefeitura e pela concessionária não refletem a realidade relatada por pessoas como Robert, Beatriz e Cleonice, citados anteriormente.

O ciclo do saneamento básico

Em Manaus o saneamento acontece, ou deveria acontecer, da seguinte forma:

Imagem: Suporte Geográfico

A falta de saneamento é fator agravante de doenças como diarreia, doenças dermatológicas,hepatites, entre outras. O acúmulo de lixo e a falta de tratamento de esgoto são problemas enfrentados na maioria das grandes metrópoles, como é o caso da cidade de Manaus.

Micro-organismos presentes na água e no ambiente poluído geram locais propícios e chamativos para insetos e animais peçonhentos como ratos. Estes animais proliferam doenças como a leptospirose, ocasionada pela bactéria leptospira, presente na urina dos camundongos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) "Saneamento é o controle de todos os fatores ambientais que podem exercer efeitos nocivos sobre o bem-estar, físico, mental e social dos indivíduos". Saneamento básico é um direito garantido por lei no Brasil, mas que ainda é escasso em muitas regiões como na capital amazonense, que desde de 2020 ocupa a 12ª posição no ranking de cidades com pior índice de prestação de serviços de saneamento básico à população.

Imagem: BNDES, Acervo Pessoal

Sem dúvida, a presença de doenças e a perda de bens foram as principais motivações para que muitos brasileiros tomassem uma atitude mais radical. Engajamundo, Guardiões da Educação e Folhas que Salvam são alguns dos nomes mais populares no mundo dos projetos quando o assunto é conscientização ambiental. Através de oficinas e workshops, seus fundadores buscam equilibrar o meio ambiente com a formação de jovens acerca de temáticas relacionadas à reciclagem e recolhimento de resíduos.

Outras iniciativas tem um tom de denúncia aos direitos negligenciados, como é o caso da reportagem "Água e Saneamento: um direito de todos, e um privilégio para poucos" que levou o Prêmio Ricardo Boechat 2022.

Para quem constantemente sofre com doenças, inundações, infestações e mal estar por viverem em áreas degradadas e escassas da atenção do poder público, ainda há um grande caminho de busca por condições dignas de vida. É preciso cobrar e fiscalizar. Para onde estão indo os recursos do estado, senão para aqueles que mais precisam do investimento público? 

Saneamento é o básico.



Galeria de fotos:

Fotografias da Rua Professora Lea Alencar mostram a situação precária do Igarapé /Imagem: Victor Lemos

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